terça-feira, 29 de setembro de 2009

Para professor da Unicamp, vivemos em uma organização social falida


 Especialista alerta para exploração indiscriminada de recursos naturais que reduz as possibilidade de felicidade no mundo contemporâneo

Apesar de todos os alertas e evidências de que o atual modelo de produção e consumo mundial  conduz a humanidade a uma grande mudança ambiental e prejudica sensivelmente a qualidade de vida desta e das próximas gerações, nada indica que o curso traçado pelo capitalismo selvagem possa dar a guinada necessária para interromper ou mesmo reduzir o ritmo de devastação do meio ambiente e da saúde da população mundial.

 Mesmo assim o professor Mohamed Habib, do Instituto de Biologia e Pró reitor de Assuntos Comunitários da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), insiste em demonstrar, de maneira didática e criativa, como as pessoas estão se distanciando da felicidade ao adotarem a riqueza material como parâmetro de sucesso pessoal e profissional. “A saúde e qualidade de vida são determinados por fatores ambientais físicos, químicos, biológicos e sociais. A saúde ambiental é a base para o desenvolvimento sustentável. Os debates suscitam uma capacidade maior para aproveitamento dos recursos naturais sem agredir o meio ambiente, seguindo quatro posturas básicas: avaliação, correção,controle e prevenção”, ensina o professor.

Habib destaca ainda que os jovens atualmente possuem mais acesso à tecnologia e conhecimento, e isto também tem um lado positivo e um negativo. “As doenças ocupacionais hoje são diferentes, e só são reconhecidas como doenças ocupacionais, como LER (lesão por esforço repetitivo) e DORT (doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho) quando a Medicina descobre a causa no aumento de casos”, exemplifica.

Nos aspectos positivos estão o maior acesso ao conhecimento e descobertas da Medicina, mas os mesmos instrumentos que os viabilizam resultam em lixo tóxico com metal pesado dos computadores e máquinas de diagnóstico. “Os Estados Unidos mandam o lixo eletrônico para a Nigéria e a Europa para o Quênia. Um ministro europeu justificou a medida com o seguinte argumento: os produtos causam câncer, mas só se manifesta depois de 48 anos e a expectativa de vida no Quênia é de 37 anos”, contou o professor, para espanto da platéia.

PIB e FIB


As riquezas dos países se traduzem pelo PIB (Produto Interno Bruto), que é a soma calculada do que é produzido em um país dividida pela população. Há três anos, quando o rei do Butão, considerado o país mais pobre do mundo em relação ao PIB, foi questionado na ONU sobre a situação de seu povo, respondeu: “Nós temos o menor PIB, mas a maior FIB do mundo.” Atônita, a platéia quis saber o que era o FIB. “Felicidade Interna Bruta”, respondeu o rei.

“Desde então os países passaram a trabalhar com outros índices de qualidade de vida, que se traduzem em felicidade, como indicadores sociais, afetivos, solidariedade, confiança e prazer”, exemplificou Habib. Segundo ele, no Butão não se conhece o que é stress, depressão ou LER/DORT, porque a sociedade vive de maneira primitiva e valoriza as relações sociais, pessoais, a família, a religião, a natureza e a vida simples. O Reino do Butão fica entre a China e a Índia, próximo do Tibet.

O professor Habib apresentou ainda outros fatores do mundo contemporâneo que degradam a qualidade de vida: 80% da humanidade vive em cidades, em áreas urbanas sem verde, ambiente de altos riscos sociais e ambientais; duas crianças morrem por minuto no mundo vítimas da malária; existem milhões de refugiados ambientais em acampamentos por causa da desertificação; 1% dos brasileiros consomem 53% das riquezas do país e 10% não possuem nada, relação que gera a violência social, doméstica, contra mulheres e crianças, e o consumo de drogas.

“Vivemos numa organização social falida. Fui assaltado há alguns anos por um garoto e disse-lhe que ia entregar meu dinheiro, mas antes queria fazer uma pergunta. Ele concordou e eu perguntei se ele não tinha medo da polícia ou de ser preso. Ele disse que não, que se fosse preso teria uma cama, chuveiro quente, roupa limpa e três refeições por dia, conforto que ele não tem na rua”, contou. O professor lembra que em 1971 o Brasil foi participar de uma reunião em Estocolmo e disse aos países ricos: 'Queremos as chaminés de vocês'. O resultado foi Cubatão, que por muitos anos figurou como a cidade mais poluída do mundo.

“O habitat do homem é o espelho de seu desenvolvimento. O desenvolvimento sustentável depende de fatores multidimensionais, com princípios ecológicos, econômicos, culturais, políticos, e éticos, mas para que se promova mudanças é necessária a participação de toda a sociedade”, finaliza.

Sobre o professor

Mohamed Habib, 63 anos, graduou-se na Universidade de Alexandria, Egito, em 1964, onde também obteve mestrado na área de controle biológico. Foi pesquisador no National Research Center de 1965 a 1971. Iniciou carreira na Unicamp em 1972, doutorando-se em 1976 e  chegou a professor titular em 1986. Publicou mais de duas centenas de trabalhos em periódicos de circulação internacional e em anais de congressos. Orientou mais de 40 teses.